terça-feira, 13 de outubro de 2015

ANÁLISE DE UM TEXTO LITERÁRIO

ANÁLISE DE UM TEXTO LITERÁRIO


MBONDO e MUKUA
O Sítio, um desses Buracos do Mundo, ao nível das águas, tropical seco e de altitude, sub-sahariano circundado de gigantescos Morros, numa área diametralmente exposto em mil por mil metros… mais ou menos.
Num dos lados do Buraco, não havendo Morro, a vista abria-se… logo ali o Rio Ngunza. Tem crocodilos e cresce alagando terras, fazendo pântanos, marcando fronteira com enorme e intenso Palmal que se estendia para trás do horizonte. À esquerda , salinas areias duneando até ao Oceano: O Atlântico.
Mbondo habita o centro deste Buraco. Suas extensas raízes serpenteiam caminhos, encontros com Ngunza, o Rio. Ngunza marca o ritmo do Buraco com seus humores de cheias; é ele que prolonga Mbondo para outras vidas e lugares, ligando-o a Izda seu parente próximo. Tem outras espécies à sua volta: Piteiras, Capins, outros seus iguais, mais pequenos. Ele é o “ Mais Velho” O Sekulo do Sítio. Seus vinte metros de altura e um tronco com oito vigorosos metros de diâmetro, sustentavam dois mil e quinhentos anos de idade. Adquirira um equílibrio biomecânico notável. Realizador exímio de Folhas , Flores e Frutos, mitigara da fome e sede as mais variadas espécies, curara doenças. Crianças riram e brincaram com suas Bonecas Flores. Presenciara Mbondo as guerras entre os Kibalas, os Ngoias Musseles, os Mussumbas e Bailundos… os Brancos aparecendo…
Morria gente . Até chamaram ao Buraco “ o cemitério dos brancos”, mas morria gente Negra também; o Paludismo matava mostrando ser uma verdadeira identidade multiracial. Presenciara também as vindas máquinas começando a triturar o Dendém, escravos tráfegos, batuques ecoando Óbitos e Ritmos nas encostas dos Morros.
Conhecia ele bem “o fazer” daquela espécie Negra e Branca. Na primeira metade do século vinte, tem receios, cansado de desilusão. Soubera ( ano 1941) que os seus irmãos da Áfrika do Sul eram declarados árvores protegidas, ironias dos desígnios e destinos.
Mukua como realização máxima e última de Mbondo: o Fruto. Mukua é a continuidade do todo de Mbondo. É ela que, com seus Jitongos lhe oferece a continuidade. Tem assim Mukua o Espírito do todo, a capacidade de chegar a todas as partes e ligações de Mbondo. Desde sempre que o acompanhava, sua amorosa fiel dedicação tinha dois mil e quinhentos anos.
Mukua sabe-se feminina, sua fecundidade atesta-o. Percorrera vezes sem conta as raízes de Mbondo até ao Rio Ngunza, aos Oceanos. Dormira Mukua, no cerne do tronco, formado por camadas concêntricas de tecido branco e esponjoso. Sentira a leveza de Mbondo. Em seus longos e cinzentos primeiros ramos constatara a vigorosa segurança. Nos ramos e folhas verdes descansava ela no topo do Mundo. Admiravasobretudo a forma como ele fazia rir as Crianças oferecendo-lhes cálices esverdeados de brancas flores.
Mukua lia o pensamento de Mbondo. Sabia de seus receios e cansaço. Sua fêmea intuição receava também.
Um dia Suku-Nzambi, Deus supremo da natureza, convocou Kiximbi. Suku- Nzambi conhecia os pensamentos de Mbondo e Mukua. Sabia da chegada das explosivas cargas, das caterpilares potências carnívoras de destruição. Mbondo era forte mas iria sucumbir às lagartas do progresso. Suku-Nzambi como todos os Deuses deixará o futuro acontecer. Além disso Nkondi e Nkosi , espíritos do Mal, deles provêm todo o mal aos humanos, andam por aí… Mbondo e Mukua serão derrubados, mas preservaremos seus Cernes e Espíritos metamorfeseando-os. Prepara-os para o Acto indicou Suku-Nzambi a Kiximbi.
Kiximbi é um dos “Espíritos das Águas”, entidade reguladora dos Mares, Rios, Peixes, das Marés. Está ligada á fecundidade feminina. As águas são as guardiãs da sabedoria do Buraco, alguns chamam-lhe agora Novo Redondo, mas para Kiximbi o Buraco é e será sempre Ngunza. Dotada do Livre Arbítrio concedido por Suku-Nzambi, começou a preparação de Mbondo e Mukua para os certos e vindouros tempos.
A Mukua concedeu-lhe o Dom da receptividade e da observação. A Mbondo o do sofrimento e ressurreição, ainda na primeira metade do século vinte. Como entidade das águas levou-os por Mares e Oceanos chuveando-os e evaporando-os nos mais recônditos e díspares caminhos da esperança e aceitação.
No dia que antecedeu a prevista chegada dos explosivos e do caterpilar, Kiximbi, fazendo uso de seus plenos poderes, apresentou-se envolta por clarões e redemoinhos de água e de ar. Chuva, mais chuva, muita chuva, Água caindo, lavando as profundidades das coisas visíveis. Tempestade Tropical. Ao quarto dia, um pequeno raio trovejou no Kibalo de Mukua, abrindo-a, para a saída dos Jitongos, vertiginosamente atirados para um tremendo e último redemoinho que se elevou para lá do Céu, espalhando-os de seguida pelos lugares do Mundo. Áquele Jitongo , no berço da Welwitschia Mirabilis, aprenderia a resistir, chamou-lhe KimdaMagna.
Sossegou Kiximbi as águas e ventos, ao quinto dia o Sol raiou. Á ferocidade da máquina, o ventre esventrado pelos explosivos, Mbondo deixara-se cair da sua Biomecânica, com as brancas flores entre ramos, sorrindo, continuou a metamorfose. Suas raízes nos dorsos dos Jitongos alcançara outros lugares, outras certezas. Três dias e três noites, sem parar, os Morros batucaram Ritmos, celebrando o momento.
Suku-Nzambi viu naquele dia Nkondi e Nkosi sorrindo nos dentes de ferro da máquina que derrubara Mbondo. Escreveu logo ali nas pétalas do tempo palavras mais tarde reveladas por um poeta.

Mbondo!
Reveste-se novamente
impeça um raio solar
passar
traga-nos sua sombra
e deixe-nos repousar
solenemente
a toda a hora
sem guerrear.
(Luís Miguel, poeta Angolano, anno 2006)

Mukua- fruto do Imbondeiro
Mbondo- Imbondeiro
Kibalo- Casca da mukua
Boneca- flor do imbondeiro
Jitongo- semente do Imbondeiro
Morro-elevação de terra achatada no topo

Palmal- Grande extensão de palmeiras

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